Thursday, November 29, 2007

Documentário Moderno

Numa conversa na universidade de Tufts em 1978, Ao questionamento de Richard Leacock, Jean Rouch afirma que não sabia exatamente o que fazia quando começou Chronique d'un Été (1961), acreditava que seu trabalho era ainda um "processo em andamento". Curioso pensar que, também fora da França de Rouch, em diversas partes do mundo, outros realizadores usavam a câmera de modo similar. Não sabiam exatamente o que faziam, ou suas intuições estavam sincronizadas pela modernidade?

O teórico francês Georges Sadoul acreditava que o alcance e a realização de uma dada concepção de cinema era totalmente dependente da base técnica disponível num dado momento, e muitos cineastas lamentaram esse fato. Muitos, mas não todos. Perdeu Sadoul!

(Não é difícil reconhecer que foi o homem quem inventou a ferramenta em sua necessidade, e não, ela que surgiu para retirá-lo do ócio)

Gostaria de chamar a atenção para uma nova prerrogativa de pensamento proposta no pós-segunda guerra (Nietzsche, Heidegger, Blanchot, Lacan, Foucault, Deleuze): as noções de real e realidade tornaram-se distintas. Realidade é o concreto, o empírico, a matéria. Real é aquilo que excede, desafia e problematiza. Aplicadas ao cinema documental, tais mudanças epistemológicas, faz surgir uma estética do real que não é a estética da realidade. Nas palavras de André Parente (Narrativa e Modernidade, 2000):


"A estética do real implica uma operação muito sutil, por meio da qual só se procura a expressão cinematográfica do real na medida em que já se tem, a seu respeito, idéias pré-formadas, uma realidade pronta para ser filmada (= modelo de mundo). A impressão de realidade e a justeza da imagem são, independentemente da técnica ou do método utilizado, proporcionais à idéia que se tem do real, e a imagem é a expressão não do real, e sim da significação que lhe é pressuposta."


Daí então que, ainda hoje, os espectadores se perdem na indiscernibilidade do real.

Assista:

A fabulação é real, a realidade não mente.


Tuesday, November 06, 2007

Eisenstein II

Terminei o último post sobre Eisenstein com a seguinte citação:

"...a montagem é simplesmente uma regra elementar da ortografia cinematográfica para quem erradamente junta fragamentos de um filme como se misturasse receitas prontas de remédios, ou fizesse conserva de pepinos, ou geléia de ameixa, ou fermentasse maçãs junto com a amoras."

Para chegar até aí, Eisenstein não só fermentou maçãs junto com amoras, mas estudou profundamente uma vasta gama de formas de composição do discurso humano. As primeiras incursões do livro (do modo como foi organizada a coletânea) falam do teatro, onde ele mesmo trabalhou por muito tempo antes de se enveredar pelo cinema, e, mais especialmente, do teatro oriental Kabuki. É notável como, neste teatro, cada elemento cênico e até cada parte do corpo dos intérpretes correspondem, em si, a uma unidade teatral, a uma declaração completa. Estas unidades se relacionam entre si, no tempo, para significar a obra teatral como um todo.

Mais além, temos mais estudos: uma passagem sobre a crença da tribo indígena brasileira dos Bororo, de que são ao mesmo tempo homem e pássaro, na medida em que tornar-se-ão pássaros após a morte - uma subversão do conceito de tempo ocidental; análises da escrita hieroglífica egípcia e dos ideogramas japoneses, onde o significado de uma sentença pode ser completamente diferente da soma dos significados de cada desenho.

A sua proposta para a montagem, então, envolve quatro "métodos": o métrico, que faz um compasso com os cumprimentos dos fragmentos, o rítmico, que abstrai do movimento dentro do plano o seu valor na cadência visual, o tonal, que envolve a compreensão de um tom visual que sequencia os fragmentos e finalmente o atonal, que compreende não só o tom, como diversos movimentos visuais periféricos, como vemos na música um centro tonal ser cercado por diversas frases que compõem o todo. Estes quatro métodos devem se combinar para ir além dos efeitos fisiológicos (visuais) e incluir o sentido intelectual inerente a cada plano.

Estes planos se comportariam também como os ideogramas japoneses: como unidades de declaração, como células de discurso. O que relaciona estas células e lhes dá sentido, significado, um significado inteiramente novo, sintético (da dialética), é justamente a justaposição de um plano ao outro, ou seja: montagem.

Talvez eu ainda fale um pouquinho mais de Eisenstein num próximo post. Vamos ver.