Thursday, December 27, 2007

30 Filme e 3 Livros

Espero que todos tenham ganhado ótimos presentes, comido e bebido neste natal; aproveitando satisfatoriamente as férias e tudo mais. "30 Filmes e 3 Livros" foi uma tarefinha proposta a que para não deixássemos passar despercebida essas férias; e cá estou relatando meu decorrer cultural.

Drawing Restraint 9

O filme se inicia com a preparação de um presente em muitos planos com movimentos de câmera maravilhosos e difíceis. Embrulha, dobra, passa fita, embrulha, vira, amarra, cola. Deste (e desde o) princípio (ao fim) já se fica vidrado pela imagem, construída com carinho (e muita precisão) pelo artista plástico Matthew Barney, o diretor. O objeto parece insignificante diante do embrulho, na verdade pequenino, e essa é, mais ou menos, a metáfora do filme todo. A idéia é sobreposta de camada sobre camada para virar o filme, e não importa quanto pequenina é a idéia, somente seus recalques e retenções é que a tornam numa obra, em um Presente.

Nunca conseguirei enumerar o número de cuidados plásticos e conceituais que o filme demonstra, mas no site oficial, descobri que: Situação é uma energia sexual indiferenciada de gênero; a Condição disciplina a ingestão da Situação e Produção é a saída anal. Todo ser é constituído de dois estados divergentes divididos pelo obstáculo:

daí que eles desenham, comem, e fazem de tudo com isso.

Drawing Restraint 9 é o nome do filme. É 'nove' porque já houve outras retenções desenhadas ou desenhos retidos antes. Barney também é responsável pelo Cremaster que frequenta a classe do cinema do corpo (ou "de quando o quadro sai da parede" ou "Houdini sai das Cordas"). Barney também é responsável por ninar a Björk; esta por sua vez vez a trilha sonora do filme (sobre trilhas sonoras quero escrever no futuro).

Acredito que não é uma questão de simbolismo: procurar o verdadeiro sentido de cada representação cinematográfica. Não, mas um sentido amplo que não posso dizer qual. A verdade é que, aqui, toda movimentação é dança, todo objeto é artefato, todo gesto é ritual, todo material é alquímico, todo passeio é uma jornada; e a imagem é um pouco de tudo isso. Perguntar o porque de cada camada do embrulho é falta de educação para com o fato de estarmos sendo presenteados. O tratamento da concepção de DR9 enobrece cada um de seus veios, guardando com carinho a idéia em um presente bem pomposo e bonito.


PS: Estou lendo Lavoura arcaica de Raduan Nassar. Não direi sobre como me identifico com a personagem homônima e do quanto me fascina a força pesada, velha e enraizada da família, mas sim que o texto unidimensional é capaz de causar sensações diferentes: que a leitura me deixa mais pensativo, menos contemplativo. Existem coisas que as palavras, conforme estão escritas, não dizem, mas mostram para a cabeça: onde estão, como são e para que servem. Essas passagens são mais chocantes do que quaisquer outras. Não assisti ao filme, mas dizem que é bom.


Thursday, December 20, 2007

crônica-desabafo

De museus...
Não tenho conhecimento suficiente para escrever sobre qual a origem dos museus, seu grande significado, e sua importância na história da humanidade. Exigiria um repertório que não tenho e acima de tudo um extensa pesquisa. Dito isso o que faço aqui é especulação. Os museus, tais como os conhecemos hoje, abertos ao público, servem como casas das obras. Eles acomodam o ápice da criação artística da humanidade, podemos ir e ver uma obra, saímos, uma semana depois voltamos e lá nos deparamos de novo com o objeto de nosso encanto. Reestudamos, sentamos, convivemos com ele abertamente, plenamente. Sentimos novas emoções, revivemos antigas. Uma única vista não esgota uma obra de arte - nem uma nem várias, é uma contemplação eterna. Conservar essas obras e tratá-las bem é, então, uma celebração da humanidade e condiz com um certo papel civilizador da cultura.

De assaltos...
Hoje logo pela manhã surge a notícia de que o MASP foi assaltado. Uma tragédia. Levaram um quadro de Portinari e um de Picasso. Ao ver logo de cara a manchete no uol (ladrões furtam portinari e picasso do MASP) pensei "putz, aquele retrato meio azulado daquela mulher". Não foi um pensamento muito elevado, dotado de uma grande análise estética; foi impulsivo. Depois a matéria do uol - confirmando meu medo - me recordou o verdadeiro nome do quadro de Picasso, "O retrato de Suzanne Bloch". Bateu uma tristeza.
Por vezes me deparei com aquele quadro no MASP, sei lá, no mínimo 5, e agora ele não estará mais lá. Saia do museu e sabia que poderia voltar lá e rever aquela mulher, conviver novamente com aquele angustia, aquela melancolia. Não poderei mais...
Do incalculável...
Neste momento diversos analistas comentam a importância histórica daquele quadro, do período de transição de Picasso, da fase azul do artista, do valor incalculável da obra e diversas coisas. Na real não me importo. No meu humilde egoísmo me entristeço por não poder contemplar mais aquela figura, aquele cabelo meio esquisito, aquela cara carrancuda me fitando e uma dor, uma introspecção que vinha não sei de onde. Na última vez que vi o retrato ele estava próximo de uma série de retratos de Modigliani, era fascinante vê-los lado a lado e passar longos momentos de contemplação. Não foi só a obra que foi roubada mas perderam-se também diversas comparações e conversações. Perde-se um certo compartilhamento de sensações possível ao ver num mesmo lugar o retrato de Suzanne Bloch, um auto retrato de Gauguin, uma paisagem de Monet, um pastel de Tolouse-Lautrec e tantas outras relações menos óbvias do que essas que eu citei vindas daquela multidão de obras primas que é o MASP.
Parece piegas o que vou dizer mas realmente as obras que lá estão ficaram mais sozinhas. Perdeu-se algo de indescritível, incalculável porque não está sequer no campo do cálculo, era algo que simplesmente se vivia; saber que nunca mais verei aquele quadro fez o mundo ficar, para mim, um pouco menos belo.
cae...
Retrato de Suzanne Bloch
óleo sobre tela, 65x54 cm, 1904.
Picasso, Pablo (1881-1973)


Friday, December 14, 2007

Mais Documentário Moderno

Extendo meu comentário ao post do André, aí abaixo.
Em um dos extras do DVD da Dupla Vida de Véronique, o polaco Kieslowsky diz que parou sua vasta produção de documentários porque não queria mais falar das realidades do mundo, mas das realidades que aconteciam dentro do mundo sentimental das pessoas e isto ele só alcançaria com o seu muito poético trabalho com a ficção.


Aí eu me lembro de quando eu estava andando por Havana em 2003 e encontrei meu compadre Fernandito Pérez, reclamando que seu filme quase não foi aceito como documentário num festival de cinema Cubano, ele me dizia muito estupefato que "a realidade não é feita de aparências que se colocam diante de uma câmera, mas o mundo infinito de emoções e vivências espirituais que habitam as almas das pessoas!!". Me lembro também (minha memória é muito boa) de um passeio que fiz por Aran em 1934, quando por uma força do destino encontrei o meu amigo Robert. Ele me disse que "Um cineasta muitas vezes precisa distorcer as coisas para captar o seu verdadeiro espírito".


Hoje em dia, muitos documentários perderam a preocupação de mostrar a realidade tal qual e assumiram que qualquer coisa que se coloque na tela é uma construção, às vezes até uma visual pessoal, como em Tokio Ga, de Wim Wenders, [isso em nossos tempos que aboliram o Sujeito (confuso? Join the club!)]. Mas outro dia eu digo o que ele me contou por cima de duas gigantescas canecas de cerveja em uma viagem de trem.


Assista:

Suite Habana - 2003 - Cuba - Fernando Pérez