Thursday, February 28, 2008

Eisenstein III (com uma boa dose de Griffith)

No meu último post, fiz um breve comentário sobre como o cinema pode tentar se construir de modo a tornar esta construção invisível:

"a técnica cinematográfica funciona como veículo para a história e ele não deve ser percebido, o espectador deve construir espaço e tempo coerentes onde a história vai parecer contar a si mesma."

É claro que esta construção do espaço-tempo está intrinsecamente ligada à montagem e ao estabelecimento de certos códigos já tão costumeiros que passam sem estalar na percepção: fragmentação de uma cena em planos gerais e outros mais próximos, montagem paralela, montagem de continuidade, planos de linha de olhar, plano e contraplano, etc...

Essas técnicas estavam em desenvolvimento e experimentação nas primeiras décadas do cinema, entre 1890 e 1920, em filmes europeus e norte-americanos. Apesar de ter sido uma caminhada longa e coletiva, DW Griffith publicou um anúncio num jornal americano dizendo ter sido o inventor dessas técnicas, e muita gente acreditou nisso por muito tempo, inclusive o nosso amigo Eisenstein.

Em seu artigo “Dickens, Griffith e Nós”, Eisenstein afirma que o mais poderoso fator na captividade emocional, da obra de Griffith estava no seu método de montagem, e que este método havia chegado a ele através da obra do escritor Charles Dickens. É chamada atenção no artigo para o seguinte trecho:


"Ele carregava a chave no bolso; e levou a caixa para sua mesa e a abriu – tendo
previamente tracando a porta do quarto – com a mão bem acostumada."

A passagem mostra como, já na literatura, era possível narrar eventos de uma maneira não-linear. Foi justamente este o argumento de Griffith junto aos executivos da Biograph, onde ele produzia, quando eles lhe disseram que não se poderia contar histórias desta forma. Provou-se que se pode.

No mesmo texto, Eisenstein exalta a contribuição de Griffith para o desenvolvimento do cinema soviético, seu herdeiro, onde, segundo ele, a montagem teria o seu uso “total, completo e consciente” e “o reconhecimento mundial”. É particularmente interessante o fato de Eisenstein associar, e pagar tributo, ao cinema norte-americano, na figura de Griffith, o seu cinema e o cinema soviético, que teve o seu crescimento e amadurecimento intrinsecamente ligado aos interesses políticos do Estado socialista soviético, em um texto escrito em 1943, pouco antes do término da Segunda Guerra Mundial e da divisão política do mundo entre os blocos capitalista e socialista e das tensões da guerra-fria que tornariam difícil de imaginar que um russo elogiaria um norte-americano desta forma.

Capiche?


Wednesday, February 20, 2008

Ainda por cima o filme é ruim.

Assisti hoje com André Menezes (que também escreve aqui) e mais alguns amigos, o novo Elizabeth: The Golden Age. Olha, o filme é péssimo. O diretor Shekhar Kapur consegue estragar até os excelentes Clive Owen e Cate Blanchett, seus personagens ficam fracos, inconsistentes. A editora Jill Bilcock parece ter depositado um punhado de idéias ruins, algumas tentativas de montagem métrica, intelectual, uns planos fantasiosos, uma trilha sonora intermitente que irritava... Mas não foi nem isso que mais me incomodou.

Assisti numa sala de cinema que aparentemente tinha algum defeito no som, algumas caixas oscilavam bastante de volume, prejudicando bastante a ambiência do som 5.1 e me fazendo lembrar quase o tempo todo que eu estava numa sala de cinema.

Discutimos isto no obrigatório chope pós-cinema: Sim, existem filmes que querem deixar os aspectos de sua construção, de sua fabulação, completamente evidentes, mas este é um daqueles em que é necessário imergir, esquecer de si mesmo e viver o filme como um sonhador vive o seu sonho. É como se a sua cabeça fosse a sala do cinema, e você vê as coisas se desenrolarem diante dos seus olhos como se elas estivessem ali a acontecer porque acontecem, simplesmente.

É uma característica do cinema dominante: a técnica cinematográfica funciona como veículo para a história e ele não deve ser percebido, o espectador deve construir espaço e tempo coerentes onde a história vai parecer contar a si mesma.

Por isso que eu não gosto de ver filme no computador, por isso que eu pago alegre o meu ingresso do cinema: é que nem comparar coca-cola na garrafa de vidro com garrafa pet. Mas dessa vez o Kinoplex decepcionou.