Sunday, May 11, 2008

Deriva I

A urbanidade é uma experiência permeada pela efemeridade. Já eliminamos, de certo modo, as distâncias, e agora estamos por eliminar, de outro certo modo, as proximidades. On Demand Business, B2B, relações de trabalho flexíveis, ajustáveis a qualquer situação. Tudo é instantâneo e flúido, imagens, sons, projetos, pessoas, vínculos: identidade, caráter.

Esse é o eixo de Richard Sennet em A Corrosão do Caráter. No livro, Sennet entrevista uma série de pessoas que vivem as relações e experiências de trabalho contemporâneas e pensa as extrapolações destas experiências na vida pessoal, social, familiar destas pessoas.

Basicamente, a tamanha flexibilidade necessária ao mundo do trabalho, ao imprescindível crescimento cosntanto do consumo, cria um hábito. Se há cinquenta anos atrás, poderia-se dedicar longamente a um mesmo projeto, hoje, a estabilidade parece caduca. Ser estável é confundido com estar parado, e, onde tudo é tão rápido, precisamos ser dinâmicos, mudar, adaptar, descartar. Aceitamos a nossa descartabalidade e que um esforço que era contínuo e pretendia um resultado possa ser prontamente vendido, interrompido e trocado por outro que eventualmente terá o mesmo não fim.

Acontece que a conquista da confiança demora mais do que a velocidade das trocas e processos de hoje em dia parece permitir, e desta forma vemos uma corrosão exponencial do vínculo, de uma narrativa de vida pessoal. Vive-se constantemente na fronteira, na situação limite, na destruição e substituição continuadas do conjunto de referências que constroem nossa auto-identificação.

Não se pertence. Há uma ausência de lugar para o ser e uma ausência do ser nos lugares. Estamos à deriva num mar de correnteza confusa, oscilante e imprevisível, nos agarrando a tocos e restos.

(E isso chega a algum lugar, em breve).


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