Monday, March 31, 2008

Espectador-No-Texto: Respondendo a comentário

No post abaixo, Fanny colocou em questão o posicionamento do espectador no lugar Emma Bovary, no filme do Chabrol. Acho que o ponto central do comentário é o seguinte:

Acho que, de fato, acompanhamos de perto as sensações dela, mas permanecemos na posição de julgamento, um pouco externos, alheios ao que ela sente. Julgando seus passos. A camera vai um pouco distante, e a vemos constantemente como se estivessemos um degrau acima dela.
Fanny, você pode ter razão, mas acho que deixei mal explicado o conceito de Espectador-no-texto de Browne. Pode parecer controverso, mas acredito que as questões de posicionamento de câmera circunscrevem a autoridade narrativa do texto e não a nossa identificação. Em alguns filmes a autoridade narrativa é deslocada para um ou mais personagens, para disfarçar a figura do diretor. Chabrol não faz grande uso disso, em minha opinião. A nossa identificação é com algum personagem que vê as circunstâncias desenroladas assim como nós, e reage a elas psiquicamente. É aí que eu acho que está nossa identificação com Emma.

Talvez, por este ser um personagem já tão famoso e que já foi tão julgado, a posição de julgamento pode caber, mas não foi o que eu, que não li o romance e sabia pouco sobre o bovarismo, senti vendo o filme.

Fique à vontade para falar mais!





Tuesday, March 25, 2008

Espectador-no-Texto

Assisti recentemente duas adaptações de Madame Bovary para o cinema, uma de 1949, dirigida por Vincente Minelli, outra de 1991, de Claude Chabrol. Os dois são, claro, muito diferentes. Estão separados por quarenta anos, por um oceano (o filme de Minelli é produzido em Hollywood e o de Chabrol é Francês), pelo idioma. Mas há, para um espectador de hoje, uma diferença que eu vou ressaltar aqui.

Vejo no filme de Chabrol uma belíssima sutileza, as angústias e desejos de Emma não são ditos textualmente, mas apenas referidas com elegância e discrição. Na versão de Minelli, tudo é muito mais explícito, as personagens dizem o que pensam, o que sentem, de modo que pouco é necessário ao espectador advinhar, se identificar, se colocar na pele de alguém. Na minha opinião, o ponto central dessa diferença está na localização do espectador-no-texto.

Nick Browne, em "O Espectador-no-Texto: A Retórica de No Tempo das Diligências", disseca uma cena de Stagecouch (do diretor John Ford, 1939), analisando o modo como o especatador se identifica com certos personagens e é colocado dentro do filme. Eu sei que já ultrapassamos a questão de "Câmera invisível", mas ela reaparece na citação a seguir, que é necessária para que eu continue falando das Bovary's:


"O mascaramento e o deslocamento da autoridade narrativa são essenciais para estabelecer o sentido do espectador "no" texto, assim como a proibição [do olhar do ator para a câmera] é essencial para afirmar o filme como uma ficcção independente: disitinto do sonho por ser o produto de um outro, porém passível de ser habitado pelo espectador. O fascínio pela identificação com o persoangem é uma forma de validar o mundo ficcional como um todo articulado. E, como o o espectador ocupa um papel ficcional, é também uma forma de o filme conseguir apagar a consciência do espectador de sua posição. Como produto da leitura do espectador, o sentido de realidade que o filme encena, a impressão do real, protege a explicação que o texto parece dar do narrador ausente."

É importante pra mim, aí, a declaração de que o espectador pode ocupar um papel ficcional dentro de um filme. No exemplo de Stagecouch, Nick Browne aponta para uma pessoa que está no cenário, é um personagem ativo na história, mas no momento está assistindo e fazendo julgamentos sobre o que acontece na cena. É nele que os espectadores estão, ele é o espectador-no-texto.

No Mme. Bovary de Chabrol, vejo a identificação do espectador na própria Emma. Ela é a autoridade narrativa neste filme, o olhar dela é o que muitas vezes guia a nossa experiência e o nosso contato com a história, mesmo haveno uma voz over de narrador que aparece vez ou outra.

No filme de Minelli, a nossa identificação de espectador é claramente colocada no prólogo e epílogo do filme, que retratam o julgamento de Gustave Flaubert (autor do romance), quando do lançamento do livro, que foi acusado de ser uma ofensa a moralidade. Flaubert então começa a explicar para os jurados a história de Emma, e a partir daí é que entramos em contato com ela. A autoridade narrativa, lógico, é do próprio Flaubert, e nós, espectadores, estamos no texto no lugar dos jurados.

E acredito que aí estão centradas as diferenças entre os filmes.


Monday, March 24, 2008

o não dito

Reassisti nesses dias "onde os fracos não tem vez". É engraçado o espanto de alguns quando você diz que foi assistir a um filme de novo, no cinema. Sem dúvida grandes filmes resistem a todas "assisstidas" possíveis, e a sensação de deliciamento e de entrega total àquele mundo persiste - aliás o único critério que consigo ter para classificar um filme como bom ou ruim é ver se ele aguenta quantas vistas forem necessárias. Dessa vez, por já não precisar ficar dividindo atenção com as legendas pude me dedicar totalmente àquela tempestade de imagens.


O que me encanta em "onde os fracos..." é a questão do jogo que surge e que é alimentado por algo indizível, por uma força que simplesmente está lá. O que seduz Llewelyn Moss não é a ganância, ele fica com a mala de dinheiro mas não o gasta. De primeira pensariamos o óbvio " cata essa grana e foge, vai pra outro país... vaza!!!". Mas não. Tal hipótese não é sequer cogitada, entra nos inúmeros "não ditos" do filme. Abandonar o jogo não é uma alternativa.

O "alarme" que acompanha a maleta de dinheiro realça essa idéia de brincadeira e é algo que dá um clima surreal à história, o o jogo violento e sangrento não passa de um "quente"ou "frio" para homens crescidos no qual, a briga, a busca pelo adversário, a fuga que sempre deixa rastros e tudo que envolve a preparação para o conflito são elementos muito mais interessantes do que a próprio resolução do conflito, que passa pelos nossos olhos e se não estamos bem atentos quase perdemos. Anton Chigurh (J. Barden) não poderia deixar de matar Carla Jean Moss (Kelly Macdonald), não se tratava nem tanto de uma vontade dele mas da simples obrigação de cumprir uma promessa, de seguir as regras de um jogo elaboradas por ele e por Llewelyn, são regras muito claras para os dois e todos os outros que acabam entrando na história são incapazes de perceber... o sherife, o mercenário, a esposa.



Carla Jean Moss, interpretada por Kelly Macdonald


Numa história de homens fortes surge Carla Jean essa personagem feminina que parece ser a mais próxima de saber tudo o que está acontecendo. Tem uma devoção plena ao marido mas está longe de qualquer passividade. Entende o seu papel no jogo mas é incapaz de alterar o andar das coisas. Quando tenta é sem sucesso. É um personagem fascinante e que compõe esse retrato de um oeste feito de vastos horizontes, de probabilidades múltiplas, mas em que o acaso ainda exerce sua força plenamente e compreender o não dito é fundamental.