Tuesday, May 20, 2008

Deriva II

Eu ia tentar escrever umas coisas, mas elas já estão ditas de maneira muito elegante, por um bom senhor chamado Umberto Eco, em Apocalípticos e Integrados:

"Com uma fórmula feliz, Clemente Greenberg afirmou que, enquanto a vanguarda (entendida, no geral, como a arte na sua função de descoberta e invenção) imita o ato de imitar, o Kitsch (entendido como cultra de massa) imita o efeito da imitação; Picasso pinta a causa de um efeito possível, um pintor oleográfico como Repin (elogiadíssimo pela cutlura oficial soviética do período stalinista ) pinta o efeito de uma causa possível; a vanguarda, ao fazer arte, põe em evidência os processos que levam à obra, e os elege para objeto do seu discurso, o Kitsch põe em evidência as reações que a obra deve provocar, e elege para finalidade da sua operação a reação emotiva do fruidor. Uma definição desse tipo prende-se, fundamentalmente, à tomada de consciência, ora adquirida pela crítica contemporânea, para a qual, dos românticos aos nosso dias, a poesia vem se especificando cada vez mais como discurso em torno da poesia ou das possibilidades da poesia, tanto que hoje em dia, as poéticas parecem terem-se tornado mais importantes do que a obra, não sendo a obra outra coisa coisa além de um discurso contínuo sobre sua própria poética e, melhor ainda, a poética de si mesma."
E, pouco mais à frente,
"A dialética entre vanguarda e artesanato de massa (que diz respeito não só ao Kitsch e ao que não é Kitsch, porém produto destinado a usos práticos, ou correta mediação de aquisições da arte) manifesta assim, seu ritmo inquietante e suas automáticas possibilidades de recuperação. Mas deixa entrever também a possibilidade de intervenções operativas das quais, porém, a última a tentar e a mais mentiorsa é a da restaruação de uma aparente adesão aos valores itemporais de Belo que, ao contrário, via de regra, acoberta a face cômodo e remunerativa do Kitsch."
O próximo é sobre um filme que põe em sentido os pensamentos do Sennet junto com os do Eco.


Sunday, May 11, 2008

Deriva I

A urbanidade é uma experiência permeada pela efemeridade. Já eliminamos, de certo modo, as distâncias, e agora estamos por eliminar, de outro certo modo, as proximidades. On Demand Business, B2B, relações de trabalho flexíveis, ajustáveis a qualquer situação. Tudo é instantâneo e flúido, imagens, sons, projetos, pessoas, vínculos: identidade, caráter.

Esse é o eixo de Richard Sennet em A Corrosão do Caráter. No livro, Sennet entrevista uma série de pessoas que vivem as relações e experiências de trabalho contemporâneas e pensa as extrapolações destas experiências na vida pessoal, social, familiar destas pessoas.

Basicamente, a tamanha flexibilidade necessária ao mundo do trabalho, ao imprescindível crescimento cosntanto do consumo, cria um hábito. Se há cinquenta anos atrás, poderia-se dedicar longamente a um mesmo projeto, hoje, a estabilidade parece caduca. Ser estável é confundido com estar parado, e, onde tudo é tão rápido, precisamos ser dinâmicos, mudar, adaptar, descartar. Aceitamos a nossa descartabalidade e que um esforço que era contínuo e pretendia um resultado possa ser prontamente vendido, interrompido e trocado por outro que eventualmente terá o mesmo não fim.

Acontece que a conquista da confiança demora mais do que a velocidade das trocas e processos de hoje em dia parece permitir, e desta forma vemos uma corrosão exponencial do vínculo, de uma narrativa de vida pessoal. Vive-se constantemente na fronteira, na situação limite, na destruição e substituição continuadas do conjunto de referências que constroem nossa auto-identificação.

Não se pertence. Há uma ausência de lugar para o ser e uma ausência do ser nos lugares. Estamos à deriva num mar de correnteza confusa, oscilante e imprevisível, nos agarrando a tocos e restos.

(E isso chega a algum lugar, em breve).


Monday, May 05, 2008

Sketchbook

Eu, assim como os outros colegas de blog, faço uma disciplina de cinema na Unicamp. Essa disciplina, entre outra coisas, foi responsável por grande parte do material postado neste site, não como consequência direta (trabalhos, artigos e resenhas dos filmes que serviriam de avaliação) mas sim indireta. Nos abriu portas e nos colocou em contato com velhos filmes e velhos diretores, que por sua vez nos levaram a pensar milhares de coisas (vide os últimos textos do Caetano e do André). Esse rascunho de texto abaixo faz parte da mesma leva de pensamentos influenciados, com o diferencial de estar completamente inacabado. Posto-o mesmo assim.

"Por uma feliz coincidência tive a oportunidade de assistir dois filmes distintos de Ingman Bergman na última egunda-Feira. Uma dose dupla de um diretor que até então só conhecia pelo fantástico O Sétimo Selo.

Primeiro veio Sonata de Outono, filme de 1977 ou 78, encontrei as duas referências. Trata de duas mulheres que colocam a limpo todas as suas diferenças e o fazem com muito diálogo. Após aproximadamente 7 anos de afastamento todas as mágoas, medos, amores e ódios internos as duas são furiosamente descarregados na sala da casa. O conflito que permaceu oculto durante todo o relacionamento vem a tona na forma de um dos mais dramáticos diálogos que já tive a oportunidade de assistir. A interpretação das duas atrizes, que vai da mais pura passividada aos mais rigorosos gritos e choros, convence de tal maneira que cheguei a me questionar sobre a sanidade mental delas após as filmagens. Um trabalho extenuante, sem dúvida.

Por volta das 20:30 começou O Silêncio, 1963, que diferentemente do primeiro eu havia planejado assistir. Pesquisei brevemente antes e uma das tags assossiados ao filme era, como já esperava, "very little dialogue". Foram 96 minutos de imagens obsolutamente marcantes. Duas mulheres, novamente, com problemas de relacionamento, novamente, mas que expõem esse conflito basicamente pela montagem cinematográfica. É um exemplo claro de como o cinema significa as coisas pela composição das imagens e a montagem dos planos.

Existem muitos elementos em comum entre os dois filmes. As mulheres como foco central é o mais claro até aqui..."

Douglas