Wednesday, October 24, 2007

Eisenstein

No inicio do século XX, quando o fato do cinema existir já era em si uma grande e misteriosa surpresa, magnatas, políticos, cientistas e artistas procuravam o que fazer com ele. Na recente União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, também um grupo notável se dedicava à questão do específico cinematográfico. Este grupo ficou conhecido como a vanguarda da Montagem Soviética e a sua figura de destaque foi Sergei Eisenstein.

Tive ao longo dos últimos 6 meses, como livro de cabeceira, entre as leituras da universidade e as de entretenimento, a coletânea A Forma do Filme. São 12 artigos/ensaios em que Eisenstein, escrevendo como uma metralhadora, expõe suas reflexões sobre o cinema soviético e mundial, seu futuro e suas origens e, é claro, aquilo que ele acreditava ser a essência da construção cinematográfica: a montagem.

Eisenstein fala tanto de montagem que, em um dos textos, tive a graça de encontrar o trecho que se segue, depois da exposição de um problema do cinema:

"Neste ponto, alguma víbora deve estar sibilando: "Ah, o velho demônio vem aí outra vez com a choraminga sobre a montagem."
Sim, montagem!
Para muitos diretores, montagem e excesso esquerdistas de formalismo são sinônimos. Porém a montagem não é isso de modo algum. Para quem sabe, a montagem é o mais poderoso meio de composição para se contar uma história. Para quem não sabe nada de composição, a montagem é uma sintaxe para a correta construção de cada partícula de um fragmento cinematográfico. E, finalmente, a montagem é simplesmente uma regra elementar da ortografia cinematográfica para quem erradamente junta fragamentos de um filme como se misturasse receitas prontas de remédios, ou fizesse conserva de pepinos, ou geléia de ameixa, ou fermentasse maçãs junto com a amoras."


Um Gozador, esse Eisenstein, heim?
Continuo falando dele nos meus próximos posts.


Sunday, October 14, 2007

Sobre The bubble e outras coisas mais...

Henrique comentou em um post sobre o Polock, em sua obra, estar a mercê da realidade. Enfim, não era o cerne da questão que ele tratava mas certamente foi uma observação interessante. Talvez minha contribuição para a discussão venha de um dos filmes que vi recentemente, The Bubble de Eytan Fox que em São Paulo esteve em cartaz por todo o mês de setembro. Não sei qual a desempenho do filme com o público, mas com a crítica certamente foi um fiasco. A ilustrada tachou a fita com 1 estrelinha. Curioso...

A grande e boa questão de Bubble é a de jovens que simplesmente tentam se descolar do meio em que vivem ou talvez, melhor ainda, criar uma outra realidade dentro daquela a qual estão imersos. Enquanto algumas análises faziam questão de ressaltar o amor homossexual que surge no filme e a crítica ao conflito israel-palestina a beleza do filme surge de outro lugar: são jovens com plena consciência dos problemas políticos que os envolvem - estão longe de serem alienados - mas lidam com eles de uma maneira não tradicional, não militante digamos. Ao invés de escolherem lados procuram se cercar justamente de uma bolha; não interessam nenhum dos lados sobre o que está acontecendo mas sim que aquilo simplesmente não esteja acontecendo. Numa manhã em uma Tel Aviv quase totalmente vazia uma das personagens diz "Eu amo Tel Aviv. É uma pena que seja cercada de tanto lixo".

Não é uma obra para ser colocada ao lado do cinema político de Amos Gitai - excelente por sinal. Enquanto este transita naquele território entre a ficção e o documentário trazendo inúmeros planos sequências e se quer um emissor da realidade em Bubble temos uma questão totalmente diferente, ele não pretende entender o conflito estando mais interessado em retratar um amor num ambiente hostil, onde o meio aparece sempre como um empecilho para a paixão dos protagonistas. Interessante é que se me recuso a chamar cinema de Fox de político a sua posição certamente transmite valores e desperta posições políticas: o grande "triunfo" da guerra é o de destruir pessoas.

O filme me remeteu ao cinema de Gus Van Sant, penso aqui em Gênio Indomável e Encontrando Forrester. Nesses dois filmes encontramos os meios - o termo em inglês enviroment me parece não ter tradução que se equipare em português - onde as personagens vivem e suas relações amplamente descritos. Van Sant se interessa por aquelas grandes figuras que surgem de ambientes desprestigiados. Não só um homem é muito mais rico do que o meio em que vive como os ambientes também são muito mais ricos do que se possa imaginar - ou do
que a imagem que se faça deles. Assim para Van Sant as grandes personagens vão se mostrar além-meios, o seja sendo grandes aonde quer que seja. Em Fox o problema é outro, é impossível se descolar daquele environment.

Embora ainda em estado embrionário a comparação parece poder render, num próximo post tentarei falar mais do Gus Van Sant.

deixo o trailler do Bubble tb, parece que está sendo exibido em Campinas.

cae.


Friday, October 12, 2007

"Análise das relações semióticas paradigma-sintagmáticas em narrativas de Jean-Luc Godard de 1960 a 1967."

Esse é o nome do meu projeto de pesquisa que será encaminhado à FAPESP até o fim de outubro. Estou há um bom tempo desenvolvendo-o e agora, justamente há alguns minutos, finalizei-o.

Esta é a primeira vez que estou fazendo algo do tipo, uma proposta de pesquisa acadêmica, e devo dizer que estou um pouco acuado de "colocar o pé na água" de todo esse lance acadêmico.

Quanto ao projeto, consiste no relato do eixo sintagmático (o eixo da forma), do eixo paradigmático (o eixo do conteúdo) e a relação entre um e o outro. Tem gente (Greimas, por exemplo) que diz que a poética só acontece quando os dois eixos dialogam entre sim.. e é exatamente isso que deve ser analisado.

Godard é parte inegável do cinema moderno e deve ser cada vez mais levado a sério. Talvez seja, mas nesse caso, de fato, quanto mais, melhor. Pra mim é nostálgico ver os filmes que estão no projeto, de novo ("Le Mèpris", "Pierrot le Fou", "Masculin, Feminin", "La Chinoise", "Made in USA", "Weekend"), mas é feliz poder levar isso a sério.. Deleuze, Metz, Wollen e Sganzerla foram alguns que o fizeram e não vejo por que não dedicar-me a isso... seria uma forma de pagar tributo (ou agradecimento, mesmo) a todos eles.

E, sinceramente, acredito que devo ao menos um "obrigado".


Saturday, October 06, 2007

Breve Asserção Dialética na História da Arte


Estava eu passeando pela biblioteca de História da Arte do IFCH (Unicamp), quando me deparei com este trecho, do historiador da arte Arnold Hauser:

"A arte de um modo geral pode ser menos uma expressão de paz interior, força e autoconfiança, e de um relacionamento direto e não problemático com a vida, do que um grito espontâneo, amiúde selvagem e desesperado, e às vezes apenas articulado, a expressão irrereprimível do desejo de dominar a realidade ou o sentimento de estara desesperada e desamparadamente a sua mercê"

Ao entrar em contato com uma das pinturas de Jackson Pollock notamos uma relação clara com o que está escrito. O quadro parece mesmo um grito selvagem e não articulado, completamente à mercê da realidade (uma vez os traços de Pollock são aleatórios e caóticos).

No mesmo timeframe, Piet Mondrian fazia suas famosas composições com linhas retas e quadrados: formas puras, ideais, vindas diretamente do sublime matemático. Pode parecer absurdo, mas com algum tempo de observação, encontramos em Mondrian uma harmonia elevada, justamente aquilo que negam os quadros de Pollock e a citação de Hauser.







A citação, porém, trata do surgimento do Maneirismo, em oposição à arte do Renascimento mais clássico, ao longo do século XVI. Aí estão um retrato renascentista e um maneirista, para apreciação:

Andrea del Sarto - Retrato da esposa do artista Agnolo Bronzino - Retrato de Bia, filha ilegítima de Cosimo de Medici

















Seríamos capazes de apontar diferenças tão gritantes quanto as que vemos entre Pollock e Mondrian? Provavelmente Andrea del Sarto (pintor do quadro à esquerda) se espantaria com o traço de Agnolo Bronzino (pintor do quadro à direita), mas para nós, existe no retrato maneirista o grito selvagem de que fala Hauser?

Já não é coisa muito impressionante, hoje em dia, notar que textos que se referem a um certo momento histórico se aplicam perfeitamente a vários outros. Não é sem razão que alguns historiadores da arte atuais colocam que cada momento tem em si o seu clássico e o seu barroco, a sua harmonia e o seu caos, à sua maneira.