Tuesday, April 29, 2008

A Malvada (All About Eve)


"As grandes paixões, aquelas que chegam de repente, sempre trazem consigo as suspeitas.”
Miguel de Cervantes

A Malvada é um filme de Joseph Mankiewicz de 1950. No elenco: Bette Davis como Margo Channing, Anne Baxter como Eve Harrington, George Sanders como Addison DeWitt e uma ponta de Marilyn Monroe (sua primeira aparição nas telas). Indicado a 14 Oscars, ganhador de 6, incluindo melhor filme.

O filme começa porque há o desejo de investigar "tudo sobre Eve", investigar as circunstâncias de seu repentino sucesso. Na narrativa, uma grande atriz está em crise com seu estrelato, outra almeja consegui-lo. E o que é o sucesso, ser uma estrela? Objeto de admiração, ou devoção, de carne e osso; pessoa que, como todas outras, possui seus defeitos, neuroses, mas as tem escondidas e ignoradas diante da ofuscação pelo mito. Se não através da explicação mítica, de que outra maneira compreender esse tipo de admiração? É necessário colocar nessa discussão a capacidade, e o poder, da percepção do belo, construída culturalmente, mas com uma inexplicável universalidade. O poder modificador que o belo possui é um elemento arterial na narrativa. As formas com que ele age na diegese são as mesmas que notamos existir no meio da indústria cultural.

A primeira imagem que temos de Eve Harrington são suas mãos ocupando quase todo o quadro, dessa forma tornando-se distintas diante de tantas outras que, em seguida, aparecem aos montes aplaudindo a jovem atriz. Na última imagem de Eve, nesse pequeno prelúdio do filme, suas mãos estão congeladas no ar, prestes a receber um troféu como prêmio de melhor atuação. No quadro, congelado por alguns segundos, há, sorridentes, o entregador do prêmio e outro homem que aplaude; flores claras e a atriz agraciada. Suas mãos só receberão tal prêmio no termino do filme. Para possuir o prêmio – prova concreta do sucesso alcançado – é necessário merecê-lo em mãos. E é justamente nesse ponto que o filme é interrompido para a investigação de tudo sobre Eve. Se, já no final, ela tem seu prêmio, é porque, independente da identificação do espectador com a personagem, o entendimento do estrelato, seu funcionamento – meios e fins – está assimilado pela cultura.

O surgimento de uma nova estrela possui dores e prazeres: Eve não consegue o amor que desejava, mas o status que admirava. Não há nenhum motivo responsável pelo seu sucesso além de sua própria vontade, que a fez agir sobre a moral. Não é possível a distinção de nenhuma das personagens como vilões ou heróis, o maniqueísmo falha, pois essa narrativa nos mostra um jogo de interesses próprios formulado sobre uma cadeia, uma indústria, já sedimentada e legitimada pelo público, através de sua adoração do belo.



Sunday, April 27, 2008

Vinil - UPDATED

Um amigo trouxe uma radiola aqui para casa. É engraçado como eu estou totalmente maravilhado com a volta do vinil à minha vida, ausente que ele estava desde a minha infância. Como me sinto feliz e curioso ao trocar o disco de lado e ficar olhando a agulha passar pela faixa. Me parece mágico que exista uma coisa assim, analógica. A agulha passa pelas irregularidades da superfície e daí se origina música! É realmente incrível, por mais que eu conheça toda a ciência do processo, muito melhor do que eu compreendo como um sinal binário pode se transformar na mesma música (o que envolve muito mais abstração, mas por algum motivo não tem graça nenhuma).

E fico aqui apreciando os ruídos e a limitação de ouvir só os discos que eu realmente tenho em casa. E se chega um novo, ah, que alegria!

É engraçado como a experiência do vinil confere ao ato de ouvir Os Doces Bárbaros uma condição especial. Quase uma aura benjaminiana. Aí se vê que o homem tinha razão, e merece ser atualizado sempre, vez que o vinil já é o fruto da reprodutibilidade técnica, mas a reprodutibilidade eletrônica fez girar um outro ciclo de mudanças no inconsciente óptico, na experiência de contato com as peças de arte.

UPDATE - 29/04/2008
Barra/.Ponto comentou:

considere 44100 capturas de som por segundo. considere também uma dinâmica de som de 120db. o que isto significa? que a precisão/dinâmica do som no CD pode ser muito melhor que o som do vinil (dinâmica de 90db, e som análogo na hora de gravar*)
Pois é. No CD é tudo automático, controle remoto, muito mais difícil de riscar e ficar cheio de pipoco no meio da música, não precisa levantar da rede pra mudar o lado do disco. Mas o meu encanto com a volta do vinil à minha casa não derivou da qualidade do som, de modo algum.

Com efeito, uma coisa mudou: costumamos ouvir música digital em equipamentos muito inferiores, caixinhas de som de computador. Eu sei, você pode ter um sistema de som bem legal no seu PC, ou pode ter um tio Jair que fez uma gambiarra e ligou a placa de som no Philips dele e agora baixa todos os discos do Sivuca e ouve bem altão. Não precisa citar exceções, estou falando da regra.

Mas o que me deu grande prazer em ouvir vinis foi justamente todo o ritual, o fato do disco ter uma história por trás de cada risco, cada pipoco na reprodução, de você poder ouvir tanto um disco riscado que já sabe onde estão os pulos. Todos os motivos porque o CD venceu, são todos os motivos porque eu estou adorando voltar a ouvir vinil.


Tuesday, April 15, 2008

Transpondo o debate

Há um tempo tivemos (várias pessoas do blog, e tantos outros amigos) um longo debate travado ao vivo, por comunidade do orkut e por e-mail sobre arte, filmes bons e outras coisas que amamos. O debate foi -está sendo - muito proveitoso e achei prudente trazê-la pra cá. São poucas idéias conlusivas mas muitas intuições e propostas que, se rolar compartilhar com mais gente, que opine em cima e tal, será muito sadio.

Começamos pensando em como classificar um filme como bom ou ruim, e se é possível estabelecer tais diferenças e apartir de onde. Aonde entra o gosto nisso? Eu não gostar de algo que reconheça como sendo bom, é possível? Viagem... mas acho legal. O bom e o ruim seriam então características do objeto em si, ou da relação espectador e objeto?

A grande obra de arte ela necessita de repertório cultural ou é "grande" em si, independendo de backgrounds? No nível da especulação me pergunto se um indivíduo hipotético sem nenhuma cultura audiovisual assistir a um filme que eu considero tremendo, uma das grandes criações da humanidade, como "Noites de Cabiria" qual será a relação estabelecida com a obra? Tudo aquilo que achei tremendo persisitirá? Eu quero acreditar que sim.

Para concluir, e deixar o meu ponto de vista até aqui claro coloco um trecho de algo que escrevi em uma das discussões e que de fato resume o que tem me instigado.

Tentando ser mais claro - to confuso, sou confuso e o tema é confuso - creio que uma grande obra consegue ser excelentemente bem apreciada, e que as conclusões, a chegada às, sei lá, "camadas complexas de significações" é viável a alguém cujo repertório seja hipoteticamente nulo. A apreciação/compreensão existe plenamente naquele que como foi dito vai ao cinema para "curtir" e não está preocupado em "formar/definir/encontrar seu gosto". A grande apreciação da obra, a grande obra independe do domínio de referências - ou mesmo de uma pós-teorização - e de contextos, embora assuma que estes últimos ressignifiquem o objeto. Essa é uma visão minha que é muito ideal, é um idealismo cuja verdade factual pode perfeitamente destrui-lo e tenho plena consciência disso.