Friday, January 04, 2008

Vale tudo: o som e a fúria de Tim Maia

Ao longo do tempo tive a oportunidade de ler apenas 3 biografias. Feliz ano velho, de Marcelo Rubens Paiva, quando ainda estava na oitava série; Tolkien: uma biografia, de Michael White, por volta de 2002, quando a febre de O Senhor dos Anéis tomou conta de mim e cheguei até a aprender élfico; e Vale tudo: o som e a fúria de Tim Maia, de Nelson Motta, que ganhei de amigo secreto neste Natal e terminei de ler há pouco. Gostei de todas, mas a de Tim me tocou mais, talvez por já ser grande fã de seus discos e suas histórias.

Marcelo Tas, em um de seus últimos post de 2007 (blogdotas.com.br) comentou o livro. Postou também dois vídeos, um acima e outro abaixo do texto, que reproduzo abaixo. Os vídeos podem ser vistos no post original clicando aqui.

Li entre o panetone do Natal e o pré-reveilon a maravilhosa biografia do mestre da black music brasileira, o inventor do samba-soul, grande filósofo popular da Zona Norte carioca, escrita por Nelson Motta. Se fosse você, não entrava em zero oito sem ele, o síndico Tim Maia.

Lá você vai conhecer um pouco mais do Brasil de verdade, aquele do mercado paralelo, e da história do mito e de cada uma das figuras que ele grita no meio das músicas, como Paulinho e Chumbinho, nessa gravação do Ensaio, da TV Cultura. Parabéns, Nelsinho, outro golaçao!

Aqui abaixo, mais uma palhinha do Tim no YouTube.

Concordo. O livro é muito bom. Tim era não só um cantor fantástico, como também uma figura única. E o livro retrata isso muito bem. Conta sua vida desde pequeno, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde cresceu e ensinou Erasmo, Roberto Carlos e Jorge Ben a tocar violão. Sua ida aos EUA e sua volta deportado. Sua luta para entrar no mercado musical brasileiro. As histórias hilariantes dos grandes porres de maconha, pó e whisk, que ele costumava chamar de Triatlon e que quase sempre o faziam se atrasar ou até mesmo faltar a shows. Segue toda a trajetória até sua morte em 1998, aos 55 anos. No entanto, mesmo tendo adorado cada loucura que Tim cometeu e que Nelson Motta contou, terminei o livro com a sensação de que foi lançado as pressas, sem uma última revisão.

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No decorrer do livro Nelson Motta utiliza um recurso estilístico interessante para tentar reproduzir as falas de Tim, que muitas vezes chamava as pessoas por nome e sobrenome. Abaixo, um trecho que ilustra tal recurso:

""Ô Tibériogaspar, ele colocou os convidados dele na primeira filha, todo mundo bonito, perfume francês, dentes lindos, maravilhosos, cascata de camarão, champanhe e o caralho a quatro. E o meu pessoal ele botou lá atrás, perto da cozinha, tomando cerveja quente. Eu achei isso uma sacanagem e vou à forra, esse filho-da-puta vai me pagar. Vai no sábado."". (p.224-225).

Quatro parágrafos acima Tim convidou Tibério para seu show, mas avisou:

""Tibério Gaspar, eu vou estrear lá no Scala e você está convidado. Mas não vai no dia da estréia não, porque os convites que o Recarey me deu são para a minha família, que é enorme. Você vai na sexta, tá?"". (p.224).

Bem, com os acontecimentos da estréia, Tim, não foi ao show da sexta para se vingar, por isso mudou o convite de Tibério. No sábado, Recarey, dono do Scala, foi obrigado a dividir, junto com de com seus convidados finos e elegantes, a primeira fila com os convidados de Tim, que "havia distribuído seus convites entre faxineiros, garagistas, mendigos e flanelinhas que encontrara na vizinhança do Scala". (p.226).

Nessa história curta do livro o recurso estilístico de unir nome ao sobrenome sem a letra maiúscula no início do último é esquecido. E este não é o único caso. Em outras vezes, tanto antes quanto depois desse trecho, a mesma coisa ocorre e a fala de Tim é modificada. O que me levou a questionar se estas mudanças são propositais, com a fala de Tim realmente se modificando por algum motivo emocional ou algo do gênero, ou se foi uma deslize da revisão. Acredito mais na segunda opção, já que com esse recurso as falas ficam muito mais Timaiadas.

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Outros deslizes também parecem ter passado:

"E ficou mais feliz ainda, em 1992, quando Marisa Monte lançou uma sensacional gravação de "Não quero dinheiro" e a transformou em um dos grandes sucessos do ano. Na verdade, nem era uma faixa do disco, e sim um trecho do DVD ao vivo de Marisa, que virou um espetacular sucesso de rádio." (p.312).

"No dia 8 de março de 1988, Tim sai do palco e não volta mais. Desta vez, o show não pôde continuar." (p.389).

No caso do primeiro trecho me estranha o fato de em 92 já existir um DVD da Marisa Monte. Não sei se a informação procede, mas me parece que essa tecnologia não estava disponível na época. Posso estar errado... O segundo é a legenda da última foto do livro, com Tim de cabeça abaixada e as duas mãos unidas, como que agradecendo o público (Lembram do Miguel Falabela no final do Video Show? Então, igual.). Seguindo a data apresentada no texto julgo que a foto seja de 88, de um show no dia 8 de março. Por coincidência Tim viria a passar mal, e morrer 7 dias após, justamente em um show uma década depois, no mesmo dia. Caso não seja uma coincidência trata-se de um erro e a data real seria 1998. Acredito mais na segunda possibilidade, já que a foto fecha o livro. Provavelmente a foto era de 88 e as datas foram confundidas quando a legenda foi escrita.

Outro fato que chama atenção no livro está em um trecho que só fui capaz de relocalizar graças a um usuário do Orkut:

Na volta de Brasília, Tim avisou que iriam para Atibaia, no litoral paulista, de carro, para um show no sábado e outro no domingo.” (p.327).

Novamente pode ser que eu esteja errado, mas Atibaia está a no mínimo 88 km do litoral paulista, em linha reta. Mais precisamente da cidade de Cubatão. Bom, Atibaia pode também ser o nome de uma praia muito da chique no litoral paulista, ou mesmo uma bem popular, que eu desconheço...

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Além dos eventuais deslizes de revisão, minha única crítica real ou conteúdo de fato do livro fica por conta da falta de clareza em torno de determinados assuntos. Em especial a crítica constante de Tim Maia a TV Globo. Ele sempre mete o pau, mas o porquê não é apresentado. Sim, sabemos que a Globo tem muito poder e é capaz de fazer quem quiser um tremendo sucesso, o Nelson Motta fala isso no livro, de uma forma ou de outra, mas senti falta de mais argumentos nesse sentido. Fica parecendo que o Tim falava só por falar em determinadas partes. As vezes era isso mesmo, vai saber?!

Exitem também certas confusões quanto as datas no decorrer da narrativa, principalmente quando o Prêmio Sharp era tratado. Não dava pra entender se foi só um, dois, três... Se o discurso de um capítulo é a continuação do outro, no capítulo anterior. E esses problemas de estruturação da narrativa me parecem mais evidentes no final do livro, do terceiro quarto pra frente, digamos. Uma certa pressa em contar as coisas que pode ter deixado tudo mais confuso e com menos claro. Mas como eu li muita coisa de madrugada, pode ter sido vista cansada mesmo...

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Problemas a parte, o livro é muito bom, não por sua qualidade literária, mas pela vida alucinada que Tim levou em pouco mais 30 anos de carreira(s). Bebeu muito, fumou muitíssimo, cheirou toneladas e foi um dos melhores clientes das prostitutas cariocas. Não compareceu a shows; ou compareceu e não estava em condições de cantar nada; ou estava em condições e não cantou porque uma "Dona Maria" pediu para ele parar de reclamar do som e cantar logo e ouviu que se quisesse ouvir ele cantar que comprasse seu disco, e saiu do palco; ou compareceu e fez shows memoráveis, engraçados e com um som impecável. Mas o que o livro mais deixa é uma vontade louca de ter feito parte dessa história. Seja pagando para não assistir um de seus shows ou participando de um de seus Triatlons. No entanto, caso queira comprar, espere a segunda edição, devidamente revisada...


2 comments:

Capi Etheriel said...

olha, se um dia eu editorar algum espaco de criticas eu ia querer vc escrevendo nele. nada como uma opiniao autoral - eu li, eu senti, eu entendi.
dá até uma vontade de ler pra poder responder...

Douglas said...

Bom, se algum dia você editorar algum espaço de críticas pode me chamar que eu escrevo.

Abraço