Saturday, October 04, 2008

Em que aparecem mais relações entre o Cinema e a Psicanálise.

De algumas coisas que aprendi com The Imaginary Signifier, de Christian Metz:

O cinema é ilusionista, é imaginário, na medida em que é permeado por uma relação de ausência e presença simultâneos. A experiência perceptiva é presente e real, o percebido, porém, é ausente, não passa de um duplo, um reflexo do que um dia o espelho da câmera fixou. O espelho da tela, no momento da exibição, faz-se crer enquanto janela, por meio de um notável jogo de auto-sugestão. Para Lacan, nas primeiras fases da vida, o bebê ainda não aprendeu a diferenciar o seu próprio corpo do mundo, isto só acontece no que ele denomina de Estágio do Espelho. Ao se ver refletido, no colo da mãe, ele começa a perceber, pelos limites de suas sensações, a linha que o separa do externo. A criança então identifica, em primeira mão, a si própria enquanto objeto da visão. Para o indivíduo que ultrapassou o estágio do espelho, torna-se possível a experiência de não se ver no mundo especular da tela, que passa a ser tratado então como objeto. O espectador não participa do percebido, entrando no estado todo-perceptivo, a ponto de identificar-se ao aparato câmera - projetor - tela, uma vez que esta última projeta a sua imagem na retina e é internamente que o filme acaba por construir-se, podendo-se destruir com um mero fechar de olhos. Está aí construído o espectador narcisista: lanço meu olhar sobre as coisas, que só então são iluminadas e trazidas para dentro de mim, onde ganham existência.

Estão em jogo aí elementos das pulsões perceptivas lacanianas. As pulsões sexuais freudianas comportam-se, coincidência?, de modo muito semelhante à descrição do ciclo consumista trazida por Ansart (Mal Estar ou o Fim dos Amores Políticos?): na oposição entre presença e ausência dos objetos de desejo, o próprio desejo, a obtenção de satisfação em maior ou menor grau, um brevíssimo contentamento e, logo em seguida, a renovação do desejo. Nas pulsões perceptivas da visão e audição, presença e ausência dos objetos são simultâneas: os objetos destes sentidos são incorporados ao mesmo tempo em que estão necessariamente distantes do sujeito, e, no caso do cinema, presentes apenas em ilusão. A relação assume um caráter voyerístico que cria o hábito da observação passiva, não só das imagens especulares como também do próprio mundo. O espectador sabe estar diante de uma ilusão ficcional, mas finge e faz-se crer que crê no que vê, fetichizando e identificando o seu aparato perceptual ao fílmico, satisfazendo-se mais quanto mais poderosa é a ilusão.

Basicamente, o fetiche psicanalítico é o ato de colocar um certo objeto no lugar do falo, apaziguando o medo da castração. De acordo com a psicanálise, a criança acredita que todos os humanos têm um pênis e fica chocado ao observar a sua mãe tem uma vagina, e entende que ela na verdade tinha um pênis que lhe foi retirado. Fetichizando certos objetos, a castração, um fato da percepção, é negada, num processo de autosugestão semelhante ao que se dá no cinema, quando aceitamos a ilusão da tela. A potência da magia do cinema faz com que todo o aparato, câmera, projetor e tela sejam objetos de fetiche.


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